Seca e a falta de energia elétrica ainda ameaçam a qualidade de vida de quem vive nas comunidades e aldeias no Interior do Amazonas

A seca, a falta de energia elétrica e outras temáticas foram pautas do Encontro Jovens Protagonistas, que aconteceu entre os dias 24 e 25 de fevereiro, na comunidade São Raimundo do Moquental, Rio Tefé–AM, onde estive presente. O evento reuniu mais de 280 jovens da Floresta Nacional de Tefé e do entorno. Também participaram intercambistas de quatro Reservas Extrativistas do interior do Amazonas.

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Seca e a falta de energia elétrica ainda ameaçam a qualidade de vida de quem vive nas comunidades e aldeias no Interior do Amazonas

Juventude da Floresta Nacional de Tefé e arredores do Amazonas se articulam para pautar soluções para emergência climática e território

Seca extrema no interior do Amazonas | 2023 (Foto: Stéffane Azevedo)

“No tempo da seca, fica tudo muito longe, fica tudo difícil. Precisamos de ajuda! Passamos mais de três meses sem o motor gerar energia. Tudo estragava”. Essa é a fala de Ruan Xavier, de 21 anos, da comunidade Ponta da Sorva (AM), que contou sua história em uma roda de grupo no encontro “Jovens Protagonistas”, voltado para a criação de soluções concretas para a comunidade. Essa não é apenas a realidade de Ruan, mas de aproximadamente 40 mil pessoas que sofreram com a seca extrema no interior do Amazonas, em 2023, segundo a Defesa Civil do estado. Ano após ano, comunidades e aldeias da região sofrem por falta de energia elétrica, mesmo sendo um estado que abriga grandes hidrelétricas no País.

          A seca, a falta de energia elétrica e outras temáticas foram pautas do Encontro Jovens Protagonistas, que aconteceu entre os dias 24 e 25 de fevereiro, na comunidade São Raimundo do Moquental, Rio Tefé–AM, onde estive presente. O evento reuniu mais de 280 jovens da Floresta Nacional de Tefé e do entorno. Também participaram intercambistas de quatro Reservas Extrativistas do interior do Amazonas. 

        O momento foi dividido em diversas atividades, como rodas de conversas, oficinas práticas e apresentações culturais. As articulações tiveram a presença do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS),  Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a Associação dos produtores Agroextrativistas da Floresta Nacional de Tefé e Entorno (APAFE), para entender as situações enfrentadas pelas comunidades e aldeias e criar soluções com a juventude para enfrentar a emergência climática.

No dia 23 de fevereiro, acompanhei a equipe organizadora do evento, a APAFE, no encontro com jovens extrativistas. Passamos de barco por dez comunidades ribeirinhas e quilombolas, entre elas, Vila Sião, Ponta da Castanha e Santa Luzia do Catuirí, que será sede do próximo encontro. Foram 13 horas de viagem, entre o lago Tefé e o Rio Tefé, até o nosso destino. 

       Ao longo da viagem, tivemos alguns imprevistos, como fortes chuvas e banzeiros (ondas), que não nos deixaram seguir viagem. À noite, com tudo mais calmo, próximo do nosso destino, dona Dorimar, vice-presidente da APAFE, começou a animar a juventude com cantorias e muitas risadas. Aproveitei a animação daquele momento, para conversar com alguns jovens. Na ocasião, conheci Evely Pantoja, de 21 anos, do Quilombo São Francisco do Bauana, que contou que foi incentivada pelos seus pais a participar de uma juventude que luta pelo seu território. “Eu sempre quis fazer parte desses movimentos, e aqui estou, no projeto Jovens Protagonistas, vendo as mudanças acontecerem. Eu mudei, os jovens mudaram e estamos tomando conta dos espaços de fala, fazendo atividades socioambientais nas comunidades”, refletiu. Jovens como Evely uniram forças no Encontro Jovens Protagonistas para construir uma sociedade mais justa e democrática para todos. 

     Também na luta por um País melhor, Cláudia de Pinho, diretora de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais, do Ministério do Meio Ambiente, acompanhou o evento. “Eu sou uma mulher que sempre se indignou com as injustiças sociais. Esse foi um dos primeiros pontos que fizeram com que eu me engajasse na luta pela terra. Criei uma rede, junto às comunidades pantaneiras, para lutar por oportunidades e qualidade de vida nesses lugares. Essa luta é a minha vida. Desde 2005, trabalho para a construção de políticas públicas para povos e comunidades tradicionais. Enquanto comunidade tradicional, a gente tem que se juntar para lutar, vencer, para ter voz e ser ouvido nas políticas”, afirmou. A fala de quem gritou para que povos e comunidades tradicionais pantaneiros continuassem existindo, a voz de quem luta e segue na luta por direitos. Cláudia de Pinho, inclusive, é da comunidade tradicional pantaneira do Pantanal do Mato Grosso.

      Marcado pelos filhos da terra, o encontro ainda contou com a presença do seringueiro Dione Torquato, secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), que destacou a importância da juventude estar engajada na defesa dos territórios tradicionais e na busca por soluções frente às emergências climáticas. “Toda conquista só é possível, por meio da luta, e para ter luta, é preciso organização. É preciso que o povo esteja unido e queira mudar”, afirmou Torquato em entrevista para Todo Canto Conteúdo.

      Ao longo do evento, conheci também jovens que atuam na defesa dos seus territórios, como Daiane Santiago, de 18 anos, graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Amazonas. Moradora da comunidade Morada Nova, Daiane afirmou que seu engajamento se deu quando ela ainda era criança, aos 11 anos. “O projeto Jovens  Protagonistas nos ajuda como cidadão, nos ajuda a ter uma visão melhor sobre as coisas, além de nos dar oportunidades. Com o projeto, a gente compreende que é preciso trabalhar bastante com a questão dos territórios e as mudanças climáticas para ajudar nossas comunidades”, reforçou.

 

 Projeto Jovens Protagonista

         Com o intuito de ampliar o engajamento dos jovens para questões ligadas à gestão ambiental, ao fortalecimento do território e ainda para revelar lideranças nas Unidades de Conservação, o programa atua há mais de 12 anos na região, com várias atividades ao longo do ano, como formações e execuções do plano de ação. No ano de 2023, com a seca severa no estado do Amazonas, e com ela a calamidade da mortandade de botos e a falta de alimentos para chegar nas comunidades mais afastadas, o projeto se articulou com instituições parceiras como o ICMbio e a APAFE, para arrecadar e distribuir as doações. Foram mais de 600 cestas básicas distribuídas nas comunidades da Floresta Nacional de Tefé e entorno e mais de 100 famílias beneficiadas. 

Seca extrema

       O estado do Amazonas sofreu com uma das maiores secas da história, do início de setembro até novembro de 2023. A seca restringiu a circulação das pessoas e mercadorias via barco, tornando ainda mais difícil o acesso das comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. Foram mais de 600 mil pessoas em todo estado, segundo a Defesa Civil do Amazonas, com escassez de água, de alimentos e de energia elétrica. No interior do estado, além da crise humanitária, a grave seca também foi responsável pela mortalidade massiva de peixes e botos no município de Tefé. 

  A Amazônia normalmente recebe menos chuvas nesta época do ano. Mas o período de seca de 2023 foi agravado por dois eventos naturais simultâneos que inibiram a formação de nuvens, reduzindo ainda mais a já baixa pluviosidade na região. Um desses fenômenos é o El Niño, o aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial, que produz correntes de ar leste-oeste sobre a Floresta Amazônica. Outro fator foi o aquecimento das águas do norte do Oceano Atlântico tropical, que criou ventos norte-sul em todo o bioma. Essas correntes de ar são um obstáculo para a formação de nuvens de chuva.

       O nível crítico dos rios da Amazônia é um grande problema. A navegação fluvial é o principal meio de transporte na maior floresta tropical do mundo e o único meio de acesso para muitas comunidades, com poucas ligações rodoviárias.

          Ano passado, conversei com lideranças de comunidades atingidas pela seca, para entender suas dificuldades ao se depararem com a escassez. “O deslocamento foi um dos principais gargalos, não ficamos isolados, mas com dificuldade no acesso fluvial. Não conseguimos levar para cidade nossos produtos em abundância, normalmente as pessoas conseguiam trazer 10 a 15 sacos de farinha, mas com a seca só conseguimos carregar 80 litros em um rabetão. Com o rio cheio, gastávamos cerca de 50 a 55 minutos para chegar no centro de Tefé, já na escassez ficamos quase 8 horas em uma rabeta”, disse Francisco Inácio, mais conhecido como Sr. Falcão, da comunidade Bom Jesus, da Floresta Nacional de Tefé. 

         De acordo com o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) desde 2019, quase um milhão de habitantes na região da Amazônia estão privados de acesso à energia elétrica. O estado do Amazonas destaca-se com um dos maiores déficits de energia, tendo 159.915 pessoas vivendo sem eletricidade. Muitas famílias ainda se veem obrigadas a recorrer a fontes alternativas de iluminação, como lamparinas, lampiões e velas.

        Atualmente, a maioria das comunidades do interior possui acesso esporádico à energia, geralmente provida por geradores alimentados por combustíveis fósseis. Esse suprimento é limitado, com uma média de apenas quatro horas diárias de funcionamento. 

       É importante ressaltar que os geradores movidos a diesel, além de serem poluentes, impõem um ônus financeiro significativo às comunidades, muitas vezes insustentável a longo prazo. Com agravantes como a seca extrema, o custo e a dificuldade de acesso ao combustível aumentam ainda mais. A ausência de energia elétrica compromete não apenas a iluminação, mas também o acesso à água potável e, consequentemente, a qualidade de vida. Os residentes dessas áreas já estão saturados com essa realidade.

       “Para ter água precisamos de energia elétrica. Algumas comunidades têm motor de energia que funciona no período da noite, possibilitando o acesso à água potável, mas para aquelas que não têm mais motor na sua comunidade, devido à dependência da energia vinda das instalações do programa Luz Para Todos, quando falta energia, falta mesmo e ficam sem água potável para beber”, desabafou Sr. Falcão.

Cinco meses após o pico da devastadora seca que assolou o Amazonas, os rios da região entraram agora no período de cheias. O retorno das chuvas e o aumento do nível da água trouxeram algum alívio para a vida de grande parte das mais de 600 mil pessoas que ficaram isoladas devido à transformação dos rios em imensos bancos de areia. No entanto, persistem os desafios para as comunidades da floresta, como a escassez de peixes e o temor de que a próxima seca possa ser tão severa quanto a última. 

      Diante disso, o encontro Jovens Protagonistas elaborou uma carta sobre meio ambiente e clima, exigindo dos governos a implantação de medidas de prevenção e mais dignidade e qualidade de vida para parte da população que ainda vive longe das vistas do poder público no Brasil. 

Autoras

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Stéffane Azevedo

Sou jornalista e fotógrafa independente, com residência na cidade de Tefé, Amazonas. Tenho um documentário disponível na Globoplay, realizado em parceria com Canal Futura, Politize e Delibera, que aborda a realidade da população em situação de rua e o fenômeno do apagão eleitoral. Dedico meu trabalho à cobertura de temas como impactos socioambientais, violações de direitos humanos, questões envolvendo povos indígenas, direitos das mulheres e racismo ambiental. Além disso, estou atualmente realizando minha pós-graduação em Direitos Humanos no Contexto de Políticas Públicas pela PUC Minas.
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Stéffane Azevedo

Sou jornalista e fotógrafa independente, com residência na cidade de Tefé, Amazonas. Tenho um documentário disponível na Globoplay, realizado em parceria com Canal Futura, Politize e Delibera, que aborda a realidade da população em situação de rua e o fenômeno do apagão eleitoral. Dedico meu trabalho à cobertura de temas como impactos socioambientais, violações de direitos humanos, questões envolvendo povos indígenas, direitos das mulheres e racismo ambiental. Além disso, estou atualmente realizando minha pós-graduação em Direitos Humanos no Contexto de Políticas Públicas pela PUC Minas.

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