Resistência: Yara MC transforma transfobia e racismo em Rap

Atualmente, após uma longa luta para conquistar esses espaços, é evidente a inclusão das mulheres cis e também a participação ativa das travestis, que estão firmemente engajadas nessas vertentes culturais. Uma das artistas de destaque no cenário local é a Yara MC, cantora, dançarina, compositora, de 23 anos, oriunda da comunidade Ananindeua.

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Resistência: Yara MC transforma transfobia e racismo em Rap

Artista compartilha os desafios de ser uma cantora negra, travesti e periférica no estado do Pará

Imagens do videoclipe “Mauzona”. (Foto: Victória Sampaio)

A cultura do Hip-hop estourou no Brasil na década de 80 e chegou ao estado do Pará como uma explosão: trouxe consigo grupos de Breakdance e a riqueza musical do rap, enriquecido pela poesia de suas letras. Apesar de suas composições terem alcançado sucesso em vários países, o cenário do Hip-hop ainda era predominantemente masculino à época. Atualmente, após uma longa luta para conquistar esses espaços, é evidente a inclusão das mulheres cis e também a participação ativa das travestis, que estão firmemente engajadas nessas vertentes culturais. Uma das artistas de destaque no cenário local é a Yara MC, cantora, dançarina, compositora, de 23 anos, oriunda da comunidade Ananindeua.

Yara MC teve seu primeiro contato com o Hip-hop ainda na infância, diretamente influenciada pelo pai, que era dançarino de break. No entanto, foi somente na adolescência que ela começou a compor suas próprias músicas. “O que me inspirou foi a vontade de me encontrar, de me afirmar e de me conectar. Vontade de conseguir ter voz. Mas, principalmente, ver outras mulheres trans e travestis sendo potências no meio cultural”, afirma.

Por falta de aceitação própria, a cantora atravessou a adolescência carregando culpa e medo por sua atração por homens. Em entrevista a Todo Canto Conteúdo, a artista fala o quanto foi desafiador e, ao mesmo tempo, libertador o processo de aceitação como travesti. “A jornada de autoafirmação é um processo o qual eu vivo até hoje. Mas foi em  2019, com o início da hormonioterapia e as mudanças de visuais, que dei os primeiros passos”, complementa a artista, que é categórica: “Minha música representa tudo o que eu vivo”.

Não à toa, as letras da cantora abordam temas como, autenticidade, protagonismo, beleza trans, protesto e insatisfação com o “CIStema”. “O que eu quero transmitir é o respeito de corpos diferentes, a valorização do desconhecido, retomada de lugares e acessos que foram tirados a partir do momento em que decidimos fazer a transição de gênero. Fazer rap, fazer arte é também militar e resistir”, afirma. 

Atualmente, diante da escassez de investimentos e apoio à cultura local, Yara MC recorre ao YouTube para divulgar suas produções. A compositora divide o tempo em duas profissões: atendente de farmácia e cantora, situação desafiadora, quando se refere conciliar as duas atividades, especialmente quando uma exige maior dedicação para shows e ensaios.

Apesar disso, Yara MC está atualmente imersa em seu primeiro EP. O trabalho será um retrato da sua jornada como travesti preta, amazônida e artista independente. Segundo ela, cada faixa terá altíssima qualidade e autenticidade e estarão disponíveis nas principais plataformas musicais ainda este ano.

(Foto: Victória Sampaio)

“O rap é muito mais do que um gênero musical, é um estilo de vida, uma caminhada, uma ferramenta de pertencimento que é capaz de amplificar vozes aos mais invisibilizados socialmente. O que você escreve e o que você constrói na sua intimidade com a batida, ninguém te tira”, completa a cantora Yara MC.

Direito a existir

Em 2023, o Brasil registrou 155 mortes de pessoas trans, sendo 145 casos de assassinatos e dez casos de suicídios relacionados à violência ou à invisibilidade trans. Houve aumento de 10,7% no número de assassinatos em comparação com 2022, quando foram registrados 131 casos.

Esses dados são destacados na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023, publicado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA).

É alarmante observar que, enquanto o Brasil continua liderando o consumo de pornografia trans em plataformas de conteúdo adulto, também mantém a triste e contraditória posição como o país que mais assassina pessoas trans pelo 15º ano consecutivo. Ao mesmo tempo em que ainda persiste uma política estatal de subnotificação da violência LGBTQIAPN+fóbica.

Por isso, é necessário sempre lembrar que em situações de emergência ou violência/agressão em andamento, é crucial entrar em contato imediatamente com a Polícia Militar, pelo número 190.

Autoras

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Stéffane Azevedo

Sou jornalista e fotógrafa independente, com residência na cidade de Tefé, Amazonas. Tenho um documentário disponível na Globoplay, realizado em parceria com Canal Futura, Politize e Delibera, que aborda a realidade da população em situação de rua e o fenômeno do apagão eleitoral. Dedico meu trabalho à cobertura de temas como impactos socioambientais, violações de direitos humanos, questões envolvendo povos indígenas, direitos das mulheres e racismo ambiental. Além disso, estou atualmente realizando minha pós-graduação em Direitos Humanos no Contexto de Políticas Públicas pela PUC Minas.
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Stéffane Azevedo

Sou jornalista e fotógrafa independente, com residência na cidade de Tefé, Amazonas. Tenho um documentário disponível na Globoplay, realizado em parceria com Canal Futura, Politize e Delibera, que aborda a realidade da população em situação de rua e o fenômeno do apagão eleitoral. Dedico meu trabalho à cobertura de temas como impactos socioambientais, violações de direitos humanos, questões envolvendo povos indígenas, direitos das mulheres e racismo ambiental. Além disso, estou atualmente realizando minha pós-graduação em Direitos Humanos no Contexto de Políticas Públicas pela PUC Minas.

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