Cultura ancestral: Boi Marinho e a arte do brincar 

Criado no Recife nos anos 2000, o Boi Marinho, é uma brincadeira de rua que envolve ações culturais e práticas pedagógicas, idealizada por Helder Vasconcelos, músico, compositor e integrante da banda Mestre Ambrósio, que completa 25 anos este ano.

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Cultura ancestral: Boi Marinho e a arte do brincar 

Artistas, novas gerações e todo o imaginário da matéria-prima da cultura popular no fazer ancestral 

Criança brincante durante o ensaio do Boi Marinho. (Foto: Gabriel Costa) 

Pernambuco é um estado que dança. Mais ainda, que respira cultura. Lugar de múltiplas expressões culturais, como a cultura popular, que demarca uma expressão única e pertencente. Seja no interior ou na capital, a cultura também nasce da resistência, da ancestralidade e das relações de classe. Maracatu Rural, Cavalo-Marinho, o Boi e suas denominações surgem nesses territórios em que a resistência ancestral das gerações ultrapassa o que é físico e atravessa a espiritualidade. 

Criado no Recife nos anos 2000, o Boi Marinho, é uma brincadeira de rua que envolve ações culturais e práticas pedagógicas, idealizada por Helder Vasconcelos, músico, compositor e integrante da banda Mestre Ambrósio, que completa 25 anos este ano. Desde 1990, o músico entregou-se de corpo e alma à cultura popular, que atravessou coletivos e grupos de Maracatu Rural e Cavalo-Marinho, até chegar no Boi Marinho.  

Com ensaios e prévias que antecedem o Carnaval todos os anos, neste mês de fevereiro teve como palco a Rua da Moeda, no Centro do Recife. O cortejo reúne não apenas a música e a dança, mas faz um intercâmbio cultural de artistas da Zona da Mata Norte, de Olinda e do Recife.  

A presença das crianças nesses ensaios e, consequentemente, na cultura popular, reforça a importância das práticas pedagógicas e dos saberes ancestrais do Maracatu Rural e ainda da criança que brinca e encanta o público. Nesses momentos, é constante a interação com públicos diversos, o que torna o Boi Marinho uma tradição popular que mantém firme o contato com o povo pernambucano. 

Assim como Helder, a cantora, compositora e contramestre do Boi Marinho desde 2007, Laura Tamiana, vive da cultura popular. “O Boi Marinho é uma escola de arte, de vida. É fazer arte de uma forma comunitária, que comunica na rua, pela diversidade de espaços e de pessoas. E agora, assumindo essa nova função, esse estudo, essa escola se aprofunda ainda mais. Aprofundar esse olhar sobre a brincadeira, sobre um todo, estar a serviço desse todo me faz sentir que o Boi está em um momento de muita expansão”, afirma. 

Laura Tamiana, contramestre, canta durante o ensaio do Boi Marinho. (Foto: Gabriel Costa) 

Esse aumento, segundo a artista, faz com que nos meses de janeiro, quando acontecem os ensaios, os eventos recebam convidados de diversas regiões de Pernambuco. “A gente vai vendo esses encontros crescendo a cada ano, a chegada das pessoas, a chegada das crianças que simboliza um povo muito positivo”, completa em entrevista ao Todo Canto Conteúdo.   

Mas não é só nas ruas que o Boi Marinho acontece. Ele tem ponto fixo, uma sede que antes ficava localizada na residência do idealizador, Helder, mas hoje ocupa uma escola de educação infantil, no Sítio da Trindade, no bairro de Casa Amarela, em Recife. E é também nesse local onde a cultura é difundida, não somente no Carnaval, mas em todas as épocas do ano. Até porque, o Boi Marinho surgiu a partir de referências das festividades do Natal, fundamentadas em princípios da cultura popular da Mata Norte. “O boi nasceu da vontade do Helder de brincar com os elementos do Cavalo-Marinho, que é uma tradição natalina da Zona da Mata, então cantamos músicas que remetem ao Cavalo-Marinho, mas com outra pegada”, conta.  

Helder Vasconcelos durante o ensaio do Boi Marinho, na Rua da Moeda. (Foto: Gabriel Costa).

A premissa para o surgimento do Boi Marinho foi a própria vivência de Helder na Zona da Mata, levar a tradição natalina do Cavalo-Marinho para o carnaval criando laços, como define o idealizador. “Esse intercâmbio cultural de artistas e com o contexto cultural da Zona da Mata faz parte da minha trajetória cotidiana, como artista e pessoal. Esse intercâmbio de um modo geral, ele é fundamental porque a gente tem regiões muito ricas e definidas, culturalmente falando, e que tem tudo para se conhecer e se aprofundar nessas relações, trazendo um enriquecimento de mão dupla, o litoral com o sertão e agreste, essas trocas têm tudo para trazer uma troca precisa para a cultura do Estado”, completa. 

Apesar de o Boi Marinho surgir de uma necessidade pessoal do músico, a sua criação não parte apenas do incentivo público. A maneira de produzir cultura de forma democrática resiste de um anseio de fazer cultura independente de financiamento do Estado, como explica o próprio criador, Helder. “A gente sempre fez isso, é uma questão de necessidade como pessoa, como artista, a gente vai criando as condições, se articulando, foi um investimento financeiro meu durante muito tempo, isso cria uma certa firmeza. Essa maneira de criar uma alternativa mais autônoma e própria, também é enriquecedora, claro que o incentivo público é muito bem-vindo, mas não é esse incentivo que está criando as circunstâncias, que fez ou faz o Boi Marinho existir, ele comtempla, colabora e ajudar a expandir”, afirma.   

Incentivar a cultura e, principalmente, a popular no Estado, é um dos desafios que artistas da Zona da Mata Norte pernambucana enfrentam. A disparidade de fomento público relacionado aos artistas fora da capital pernambucana, reflete no contexto cultural de cada território, como destaca o cantor e compositor Anderson Miguel, mais conhecido como Mestre Anderson, nascido em Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco. “A rejeição é muito grande quando se trata de artista popular, o incentivo é muito pouco. Nós que fazemos Maracatu Rural, se não corrermos atrás, não conseguimos colocar a nação na rua. A gente faz uma rifa, um amigo ali ajuda. Do Poder Público, o que nós temos de incentivo é uma subvenção que vem do Recife e sorte daquele que consegue uma apresentação durante o ano”, explica.   

Músico e compositor, Mestre Anderson Miguel em apresentação. (Foto: arquivo pessoal) 

E o intercâmbio cultural, a partir de manifestações culturais no Recife, como o Boi Marinho, é uma forma de não silenciar a cultura popular. O reconhecimento de artistas da Zona da Mata no território e na capital pernambucana é um processo lento na busca de espaços. “A gente não consegue de uma hora para a outra chegar em um espaço máximo, como alguns artistas chegaram, a exemplo de João Limoeiro, bastante conhecido na Mata Norte e na capital, Lia de Itamaracá que é gigante não só no estado, mas fora do País também. Estamos lutando para ganhar esse espaço, e junto ao meu grupo, defender a cultura do nosso lugar”, complementa Mestre Anderson. 

Fazer ancestral aos que antecedem 

Para que o Boi Marinho tecesse suas raízes, outras manifestações foram cruciais — manifestações essas como o Cavalo-Marinho e o Maracatu Rural. A cultura ancestral de gerações, a permanência da dança, das cores e artefatos que constroem uma identidade única de territórios onde a ancestralidade é um pilar de surgimento do que chamamos de cultura popular — povo.

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Ariel Lins

25 anos, pernambucana, estudante de jornalismo pela Unicap. Atualmente trabalha na Rádio Sei, pela Secretaria de Imprensa de Pernambuco. Experiência com assessoria de imprensa e comunicação em organizações sociais. Pesquisadora em políticas públicas para o cinema.
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Ariel Lins

25 anos, pernambucana, estudante de jornalismo pela Unicap. Atualmente trabalha na Rádio Sei, pela Secretaria de Imprensa de Pernambuco. Experiência com assessoria de imprensa e comunicação em organizações sociais. Pesquisadora em políticas públicas para o cinema.

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